Entre 18 e 19 de agosto, ocorreu em São Paulo o 10º Congresso Brasileiro de Jornais, organizado pela Associação Nacional de Jornais. O evento é voltado mais aos executivos do que a jornalistas e público em geral. O tema do ano foi “ruptura, inovação e avanço”. Em linhas gerais, o objetivo era garantir ao mercado publicitário que os jornais impressos ainda servem para alguma coisa e, cientes de seu fim próximo, estão buscando novas formas de intermediar o fluxo de informação entre as marcas e o consumidor:
No Market Place Jornais, em uma mesma ferramenta, o mídia terá acesso às informações essenciais para definir a escolha dos jornais por meio dos seguintes critérios: audiência; perfil de leitores; formatos básicos; tabela comercial e contato direto para a publicação. Desse modo, o mídia ganhará em facilidade e agilidade para tomada de decisões. Outro produto inédito no mercado é o Digital Premium Jornais, que permite a veiculação de anúncios digitais num pool de sites de jornais, em um mesmo dia. Trata-se de um formato flutuante com bastante espaço para os criativos obterem o máximo das suas mensagens, sendo exibido a toda audiência desse dia. Dentre as vantagens do Digital Premium Jornais, destacam-se o grande impacto, velocidade e efetividade, grande audiência, facilidade de operação e negociação com apenas um interlocutor.
A mensagem, entretanto, foi empacotada num colorido e brilhante papel de otimismo amarrado com fita de pensamento positivo. Basta passar os olhos pelos releases sobre as palestras para perceber a tentativa de mascarar o inevitável declínio do impresso com dados fora de contexto a respeito da audiência qualificada e credibilidade do papel. A presença digital do congresso, porém, não transmitiu muita confiança na habilidade da ANJ em relação à mídia digital.
O problema já começa pelo “clique aqui” que não funciona no Chrome, Firefox ou Internet Explorer — tive de abrir a visualização do código fonte da página para acessar o conteúdo. Dá a impressão de que, após 20 anos de jornalismo online, os associados da ANJ ainda não aprenderam a regra básica de Nielsen sobre links quebrados. Quem tentou acompanhar os debates via redes sociais também saiu frustrado, pois não havia uma hashtag oficial — #CBJ retornava tweets sobre um campeonato de judô –, tampouco qualquer um dos membros da plateia se preocupou em fazer um relato em tempo real. Para um congresso cujo tema era inovação e avanço, promover um esforço de cobertura em redes sociais seria o mínimo para demonstrar conhecimento da dinâmica de comunicação na era do jornalismo pós-industrial.
Os empresários, enfim, parecem estar se esforçando em convencer anunciantes sobre a relevância do jornal impresso, enquanto correm atrás dos 20 anos perdidos negando o impacto da digitalização sobre seu modelo de negócios e preparam, finalmente, a ruptura com o papel, que deve acontecer cedo ou tarde. Clay Shirky aponta, entretanto, um problema sério nesse discurso empresarial que garante algum futuro para o jornal impresso, que é manter os trabalhadores, isto é, os jornalistas, na ignorância:
Journalists have been infantilized throughout the last decade, kept in a state of relative ignorance about the firms that employ them. A friend tells a story of reporters being asked the paid print circulation of their own publication. Their guesses ranged from 150,000 to 300,000; the actual figure was 35,000. If a reporter was that uninformed about a business he was covering, he’d be taken off the story.
Muitos jornalistas aderem de forma acrítica ao discurso patronal de que o jornal é importante demais para desaparecer, sob pena de colocarem em risco a própria carreira. De fato, muitos inclusive reforçam essa perspectiva ao fazerem questão de ignorar completamente os fundamentos econômicos da indústria na qual trabalham e, mesmo, desvalorizar esse conhecimento como um tipo de filistinismo incompatível com o caráter missionário e os princípios éticos da profissão. O Titanic vai afundando e os passageiros batem palmas enquanto a orquestra executa música de ninar.
De qualquer forma, é um bom sinal esse reconhecimento velado das diretorias de jornais a respeito da necessidade de encontrar alternativas de financiamento antes de o impresso se tornar inviável, ainda que tardio. A letargia dos executivos e, em especial, do setor comercial da imprensa permitiu a empresas de tecnologia como Google e Facebook ocuparem o espaço aberto pela passagem da mídia radial, centralizada, para o cenário de comunicação em rede.
Os trabalhadores das redações, todavia, não deveriam enxergar razão alguma para confiar no sucesso desses esforços e fariam bem em tentar aprender um pouco sobre a economia digital, além de desenvolver habilidades com hipermídia e informática. Se os empresários demoram a romper com o jornal impresso, ordenhando a vaquinha enquanto ela definha por inanição, os jornalistas devem desistir o mais rápido possível de tentar salvá-la pelos métodos tradicionais e buscar outros modelos de produção de notícias, ou deixar o pago e migrar para a metrópole digital.